Como me tornei professor, por José Raimundo Vergolino
 

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Como me tornei professor, por José Raimundo Vergolino

5 / Janeiro / 2018

Lecionar foi algo que surgiu naturalmente em minha vida. Desde cedo existia, não digo uma vocação, mas uma simpatia, uma atração pelo magistério. Isso talvez se deva um pouco à influência de Sílvia e Clarice, que eram minhas madrinhas, amigas e professoras. Além delas, e antes de mim, não havia ninguém que seguisse esse caminho na minha família.

Nasci em Belém do Pará, em 1949, e aos 15 anos montei um cursinho particular, junto com três amigos que moravam na minha rua. O “cabeça” da ideia me chamou para ensinar História. A gente dava aula para as crianças que iam prestar o teste de admissão no ginásio. Na época, era quase um vestibular. Alugamos um local, e tinha uma clientela até razoável lá do bairro, mesmo. Com 16 anos, junto com um desses amigos, eu saí e montei um cursinho na minha casa, onde eu morava sozinho com minha mãe, que era viúva.

Quando os dois enfim passamos no vestibular, na Universidade Federal do Pará (UFPA), meu sócio resolveu se dedicar aos estudos de Engenharia e não quis mais dar aulas. Era 1967, e o curso de Economia da UFPA, onde eu entrei, ainda funcionava no centro de Belém, nas margens do rio Guamá. O atual campus estava em construção. Na época em que entrei na faculdade, o diretório acadêmico (D.A.) era muito atuante e tinha um cursinho voltado para as pessoas que queriam prestar Economia. Aí, o pessoal da faculdade decidiu que eu iria administrar o tal curso. Eu recebia até uma renda boa, e subsistia disso.

Quem pensa nos atuais diretórios não imagina a dimensão de como era naquela época. O D.A. de Economia dava lição de empreendedorismo: tinha até uma boate! A gente vendia cerveja, fazia festas, distribuía materiais… O D.A. se auto sustentava e conseguia dinheiro para também manter outros diretórios e ações do movimento estudantil. Isso, em plena ditadura. Por causa disso, em 1968 o SNI [Serviço Nacional de Informações], após o AI-5 [Ato Institucional número 5], suspendeu diversas ações do diretório. E, para não interromper as aulas, levamos o cursinho para a casa de Morgado, um amigo que também estudava Economia.

Dei aulas até 1968, quando fui prestar serviço militar no CPOR [Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Exército].  Servi durante 1969 e, em 1970, fui ser estagiário no  departamento de Economia do BASA [Banco da Amazônia S.A.], que era dirigido por um professor muito querido. Fiquei lá por um ano e segui meu curso. No último semestre, já no fim de 1971, fui conversar com esse professor, que era meu chefe no banco, porque estava muito angustiado com minhas perspectivas. Nesse tempo, era muito difícil conseguir emprego, não existia essa coisa de concurso público, era tudo na base do “Q.I.” [Quem Indica]. Eu disse a ele que queria ensinar, e meu chefe me incentivou a fazer mestrado. Havia poucas pós-graduações em Economia, todas localizadas no Recife ou no Sudeste. O processo era inteiramente controlado, em todo o Brasil, pela FGV [Fundação Getúlio Vargas]. Veio uma pessoa do Rio de Janeiro e aplicou as provas para cerca de dez candidatos, lá mesmo no Pará. Passaram dois: um colega foi para Minas Gerais, e eu vim para Pernambuco.

Logo que cheguei ao Recife, fui morar perto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e comecei a dar aulas de Introdução à Economia para alunos dos primeiros períodos da graduação. A verdade é que eu não tinha bolsa e precisava sobreviver. Pegava, sei lá, vinte calouros, cobrava vinte reais por semana de cada um e garantia 400 contos dando aulas de reforço para eles.  Assim, consegui me manter durante todo o ano de 1972.

Em 1973, a pró-reitora Maria Antônia Amazonas Mc Dowell  reuniu-se com a chefia de Economia, para tentar organizar o curso. Ela orientou a coordenação para “segurar” os melhores alunos, e abriu concurso para o cargo de auxiliar de ensino, para o qual eu só precisava do diploma de graduação. Minha carteira foi assinada em primeiro de março de 1973 e eu me tornei, ali, oficialmente, professor.

Na sequência, corri para concluir minha dissertação, porque a pró-reitora tinha estabelecido um prazo, prometendo que se a gente conseguisse terminar de escrever a tempo, ela nos transformaria em professores-assistentes. Em 1975, eu virei professor assistente com dedicação exclusiva. Lecionei na UFPE até 2003, com um intervalo entre 1981 e 1985, quando fui para o estado do Illinois, nos coração dos Estados Unidos, para fazer meu doutorado na cidade de Urbana Champaign. Levei mulher e dois meninos; voltamos com três filhos e duas teses, porque ela também aproveitou o período para fazer seu doutorado em Sociologia.

Minha vida desde então é lecionar e fazer pesquisa. Andei muito pelo interior do Brasil, fazendo pesquisas para a Sudene [Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste], o Ministério do Desenvolvimento Regional, o Banco Mundial, o Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada]. Nessa época, não existia essa figura do consultor privado. As entidades contratavam os professores das faculdades, no meu caso por meio da Fade [Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da UFPE]. Depois que me aposentei, passei a lecionar em instituições privadas. Estou na Faculdade dos Guararapes desde agosto de 2013. Aqui, além de ensinar, sou responsável pela Direção de Pesquisa e Iniciação Científica.

Com a idade e experiência que hoje tenho, e diante das novas tecnologias, equipamentos e facilidades, acredito que uma pessoa, ao optar pelo magistério, não pode ter como intenção enriquecer. Ensinar é uma espécie de sacerdócio pecuniário; não dá para lecionar e amealhar muitos bens. Quem quer se professor, tem que ser curioso, gostar de estudar, de ler, de investigar, buscar novidades.

Além disso, é preciso gostar de gente: se você não gosta desse contato, escolha outra profissão, porque não vai dar certo.  E, claro, tem que se ter ética. O professor não pode se trocar com o aluno, cometer assédio, bullying, essas coisas. Tenho a tranquilidade de afirmar que nunca tive problemas no meu convívio com os alunos, ao longo de cinquenta anos em sala de aula. Enfim, quem reúne essas qualidades será um bom professor e terá um mundo de possibilidades diante de si, e certamente, de muitas maneiras, vai se sentir recompensado.